“Diário da Srta. Bucker:”
O fogo da carne destruiu nosso relacionamento, e
só restaram cinzas. Dias cinzas. Logo, as cores voltariam, e depois de
um tempo de dor, voltaram, pálidas e opacas.Sábado de 1982:
O filme estava chato, a pipoca e o refrigerante já haviam acabado, eu só estava esperando o filme terminar porque afinal, eu tinha pagado para estar ali, sentada naquela cadeira estofada assistindo um filme. Faltavam muitos centavos ainda. A sala do cinema estava praticamente vazia. Havia um garoto na cadeira de trás, segurando duas pipocas e dois refrigerantes, e ele só olhava para a entrada do cinema. Deduzi que estava esperando alguém. Coitado. Metade do filme e nada.
- Oi garota. - Me revirei para o chamado que vinha de trás - oi - o garoto de olhos claros me ofereceu a pipoca e o outro refrigerante que seria da sua companhia ausente, recusei e agradeci. ele cochichou - Posso sentar-me com você? - ele cochichou - Tudo bem - ele pigarreou, acenado com a cabeça para as guloseimas que segurava - Mas para isso vai ter que me ajudar e aceitar a pipoca e o refri. - eu sorri, e ele pulou para a cadeira ao meu lado - Filme chato né? - eu confirmei. Conversamos bastante até o filme acabar, na verdade, cochichamos. Descobri que sua companhia ausente era uma garota que ele gostava, mas que sempre oscilava de gentil para hostil. Trocamos telefones, e no dia seguinte ele me ligou, no outro dia também, no outro e no outro… Começou assim nosso relacionamento.
Todos os finais de semana íamos assistir um filme, e acabávamos em seu quarto, provando um ao outro, fazendo juras de amor [de paixão] e eu sempre achando que ele me amava. Faltava um ano para ele terminar os estudos, pra mim ainda faltavam tres. No decorrer de 5 meses descobri que a sua companhia ausente daquela tarde de sábado de 5 meses antes na cadeira de cinema estudava em sua classe. Ok, tudo bem. Ele gostava dela, mas estava comigo. Isso me dava ansia e tontura e uma vontade imensa de chorar, que por orgulho não acontecia. E todos os finais de semana, estavamos numa cadeira de cinema grudados e logo no seu quarto, da mesma forma. Nossas conversas eram apenas românticas e não falavam de nosso dia a dia ou realidade, não porque eu não gostaria de saber sobre a sua realidade, mas porque eu sentia que ele simplesmente evitava e calava minhas perguntas com beijos.
Eram apenas amassos?
Ou carinhos de amor?
Amassos. Eu soube disso, no término daquele ano quando fui apenas uma peça linda a servir de ciúmes. Ele apresentou-me a Daliti [a garota que ele gostava], com um ar de orgulho, enquanto ela fitava-me da cabeça aos pés analisando meu vestido médio salmão. - Ela é realmente linda. - e sorriu para mim, quase debochado. - Se importa se eu pega-lo para dançar um pouco? - eu fui rápida e suave - Hm… ele havia acabado de chamar-me para dançar. - e um sorrisinho vencedor surgiu em meu rosto, e logo foi desmanchado. - O que isso, minha linda. Só um pouco, depois dançamos nós dois. - Eu sempre soube que a bebida torna uma pessoa 10 vezes mais sincera do que o normal, ele realmente queria dançar com ela. Houve eu euforia em suas palavras e principalmente em seus olhos. Podia vê-los dançando sob as luzes coloridas, ela o seduzia com aquelas caras e bocas de garota baladeira, derrepente ela o beijou, tão intensamente, que logo ele quis mais. Eu não aguentei ver aquilo. Ser traída e ver a traição. Dor e humilhação. Foi o que o meu coração sentiu. As lágrimas rolaram suaves. Será que durante aqueles 8 meses nem respeito ele teria construído por mim? Nem o realmente gostar? O pior de tudo era ser completamente apaixonada por ele, e ver esse amor que ele jurava a mim, ser desmanchado ali, feito leite derramado. Aquilo doeu tanto… tanto. Eu deveria reconsiderar o fato dele estar bêbado?
Eu fui apenas apaixonada e reconsiderei. Houve pedidos de desculpas desesperados e lágrimas masculinas. Depois de alguns meses ele me pediu em casamento, eu era apenas uma garota, não aceitei. Meses depois, ele estava trabalhando de garçom no Mc’Donalds, e eu passei pela rua, na última mesa lá estava ela, Daliti. Ele a beijou de leve, apaixonado. Eu fiquei um bom tempo ali, espiando até o horário dele ir embora. Sentada na calçada fumando, Daliti foi abraçada derrepente por ele, que a beijava sem tomar fôlego. Foi a gota d’ água. Trauma de “amor” adolescente. Até a minha vida adulta nunca deixei que algum homem me desse um sobrenome. Aos 60 anos, sou senhorita. Confesso, eu não soube contornar o trauma, e a depressão me pegou de tal forma, que minha vida tornou-se um círculo de tão rotineira…
Eu ainda lembro daqueles olhos azuis, enganosamente inocentes, me fazendo juras de amor.
Hoje eu sei que foi paixão. Um fogo que apagou-se e deixou as cinzas.
Por: Rayne Oliveira
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